Presépios todo o ano
1
Ficou-me da infância o prazer de manipular objectos
e de os dispor e combinar de várias maneiras
para criar
com eles pequenos mundos meus.
Talvez por isso
armo presépios todo o ano
embora sem as tradicionais
figuras do Menino e seus Pais
que afinal o não são:
o Pai todos sabem que o Espírito Santo lhe passou a perna
e sem pedir licença engravidou a Mãe
porque a moral
católica A preservara do pecado do prazer
(com que a Natureza
sabiamente premiou o acto de copular
para que bichos
e homens se não desleixem de manter a Vida).
Apenas o parto
foi natural
ah sim! porque esse faz doer e não gozar.
Inesperadamente oiço a voz risonha do Alberto Caeiro:
“Olha que eu já disse isso
por outras palavras
num dos meus poemas do “Guardador de Rebanhos!”
Abespinho-me: “Estás-me a acusar de plágio?”
Diz que não que ideia que os seus versos são como as flores
do campo
quem quiser que as apanhe!
Mesmo assim
não gostei de ouvir e faço cara feia.
Ralha-me:
“Tens o preconceito de originalidade dos intelectuais
modernos! Na Natureza tudo se repete
embora sempre
de maneira diferente.
Não te zangues e arma lá
os teus presépios!”
2
É verdade que tenho vários presépios a valer
trazidos
das minhas andanças pelo mundo:
o da Venezuela
aloja a Sagrada Família não na bucólica cabana tradicional
mas numa casa degradada de favela
meia ruída.
Acrescentei um outro do Brasil nordestino
e pus a caminhar para Jesus um grupo de retirantes
e uma banda em festa.
De Viana trouxe há tempo
um belo exemplar de barro quase rosado
da cor das conchas
que pus em seu redor.
Gosto da presença do mar
nos meus presépios.
Mas o mais bonito de tudo
é o musgo verdadeiro que apanhei na Fonte do Sol
e pus a servir de chão a toda esta pequena humanidade.
Uma vizinha encontrou-me no elevador
abraçada
ao tabuleiro em que o transportava e alertou-me:
“O chinês da esquina vende musgo de plástico
imita
bem o verdadeiro e não suja a casa. E fica de uns anos
para os outros. Como as árvores de Natal.”
Hoje é tudo
de compra e de plástico
até os sentimentos e emoções
- dou comigo a pensar.
As figurinhas de barro sussurram-me:
“Nós fomos compradas. Não gostas de nós por isso?”
Sossego-as lembrando que
ao contrário de Jesus
nasceram de um gesto de amor:
o das mãos modeladoras
que as extraíram do barro.
“
Teresa Rita Lopes