Costumo agradecer à Vida o poema de cada dia
com que me costuma brindar
a menos que o entulho
das quotidianas desarmonias e maldades soterrem esse
botão a querer romper.
Aqui em Cacela tenho uma roseira
que, apesar de só regada pela água do céu
me presenteia
com rosas todos os dias.
São pequenas
estão mal nutridas
mas o perfume enleva-me como uma música
ou uma dádiva
dos deuses.
Como há quem leve a sério as rosas dos floristas
sem cheiro e sem espinhos!
Diz o povo que não há rosa
sem espinhos
e é verdade: essas de compra foram capadas
do cheiro com que atraem os insectos
e dos espinhos
com que se defendem.
Quem sabe se um dia não seremos
assim
as pessoas
manipuladas geneticamente!
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Enquanto aqui estou só peço
à minha roseira
junto ao muro
que me conceda a rosa de cada dia.
Uma me bastaria
mas ela é generosa
e dela regresso todos os dias cada vez com mais
rosas.
É como as tetas dos animais e das mulheres:
quanto mais as sugam mais leite dão.
Assim também
os poemas:
quantos mais escrevo mais nascem
do bico da caneta
ou até das teclas do computador.
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Aqui soletro todos os dias
como quem reza
“Dá-me a minha rosa de cada dia”
`a pobre roseira
sozinha todo o ano junto ao muro.
Só dela cuido
no Verão
e nem adubo ainda lhe pus este ano.
Ao mar só peço todos os dias que me receba
serenamente nos seus braços
durante mais de uma hora.
Se também um poema por dia me acontece
considero-me
cumprida
e agradeço
não sei a quem
mas é da família
do mar
o banho, a rosa, a poesia
de cada dia.
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Às vezes estudo e escrevo com música
de fundo.
Agora é com fundo de rosas
que aqui
todos os dias desabrocham para mim.
A música
desconcentra-me se lhe der atenção e me agradar.
De olhos fechados recebo a música do perfume
das rosas
que acalenta em mim o verso que
vou dar à luz.
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As rosas que apanho todos os dias
não são
para enfeitar a casa
mas para partilhar
comigo o meu tempo.
Aqui estão em cima da mesa
enquanto escrevo
em jarras e frascos.
Levo algumas
para dormirem comigo:
ao meu lado
na mesa de cabeceira respiram durante a noite
ao meu compasso.
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Como que me pressentindo a partida
a minha roseira
desentranha-se em rosas
para me dizer adeus